As aulas estão quase a começar. A escola fica perto de nossa casa - se é que àqueles três pavilhões prefabricados se pode dar o nome de escola. Na porta da entrada está afixada a enorme lista de material de que precisamos: régua de 20 cm, régua de 10 cm, esquadro, transferidor, compasso, marcadores, tinta da china, lápis de cor, lápis preto, borrachas, esferográficas, papel de lustro, papel cavalinho, cartolina, folhas de desenho, folhas quadriculadas, folhas de linhas, papel de música, capas para os cadernos, pincéis, godés, apara-lápis, tira-linhas, e por aí fora. A mãe foi comigo comprar o que me faltava e deve ter gasto muito dinheiro porque levou o caminho todo a refilar que se isto é o ensino gratuito, então as pessoas que mandavam nestas coisas deviam ter uma ideia muito estranha acerca da palavra "grátis". É claro que isto ainda não é tudo. Depois vão ser precisos novos livros para cada disciplina e, se for como no ano passado, vai ser engraçado: a gente a correr de loja em loja, de livraria em livraria, e todos a dar a mesma resposta - o livro ainda não chegou, o livro está esgotado, não temos, só para o mês que vem - até que veio o fim di 1.º período e dos livros de Inglês e Ciências da Natureza nem cheiro.
É uma coisa que me diverte muito, arranjar os cadernos novos. Pegar nas folhas e colocá-las em sua capa diferente, escrever o meu nome, o nome de cada disciplina, o ano, a turma, o número. É bom passar a mão pelas folhas ainda em branco, mas que a gente sabe que dentro de pouco tempo vão estar todas cheias de letras, palavras, desenhos, números, figuras geométricas. Olho para estes cadernos novos e dá-me logo vontade de pegar numa esferográfica e escrever, escrever, nem eu sei bem o quê.
Alice Vieira, "Lote 12 - 2.º Frente"