quinta-feira, 22 de março de 2012

Dia Mundial da Água

Lenda da Água

No princípio de tudo, quem mandava na Terra era o grande Deus das águas, que era poderoso, justo e grave, olhando tudo em redor com os seus imensos olhos verdes, ansioso por ver o enorme território de que era senhor povoado por criaturas pacíficas e belas. O Grande Deus das águas tinha longas barbas feitas de algas e deslocava-se de um lado para o outro à proa de gigantescas ondas que, ao contrário dos barcos, não precisavam de remos, de velas ou de motores para se movimentar. Todos o respeitavam e temiam, tamanhos eram os seus poderes.
A sua casa erguia-se no meio das rochas agrestes que formavam uma fortaleza intransponível. Lá dentro, os filhos do Grande Deus das águas brincavam com conchas e com búzios, com cavalos-marinhos e com estrelas-do-mar.
De todos os seus filhos, o mais irrequieto e atrevido era a água que por tudo e por nada amuava, tendo o reprovável hábito de invadir o espaço dos seus irmãos e de se apropriar do que lhes pertencia.
- Se não mudares de comportamento - avisou-a repetidamente o pai -, ainda terei de te dar uma lição de que não irás esquecer-te. Muda, pois, enquanto é tempo. Depois pode ser demasiado tarde.
Mas a água, que era irreverente e obstinada, pensava que as palavras do pai não passavam de palavras, isto é, de sons vagos e imprecisos que nunca se traduziriam em verdadeiros atos.(...)
Um dia, apanhando o Grande Deus das águas a dormir a sesta no terraço do palácio rochoso, decidiu pôr à prova a autoridade que limitava os seus excessos. E fê-lo de uma maneira que não deixava margem para dúvidas. Estendeu os braços e as pernas e invadiu a Terra, espraiando-se por continentes e ilhas.

José Jorge Letria, Lendas do Mar